Título: "Vapor Barato". Composição: Jards Macalé e Waly Salomão. Album: Fa-Tal: Gal a Todo Vapor. Ano: 1971. "Vapor Barato", de Jards Macalé e do recém-falecido poeta Wally Salomão, serviu como fundo musical para dois difíceis momentos da história brasileira - de exílio forçado ou voluntário. Em dezembro de 1971 é lançado o disco Gal: Fa-Tal, a Todo Vapor. Com os tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil no exílio, isto é, em Londres, Gal Costa se transformara na voz deles e de outros "estrangeiros" no Brasil. E é com este disco que Vapor Barato, de Waly Salomão e Jards Macalé, na voz de Gal, se torna uma espécie de "olha, aqui tá todo mundo muito vivo". Embora revelando um coração cansado. A ditadura militar corria solta no Brasil. Assim como em outros países da América Latina. O Ato Inconstitucional nº 5, o AI-5, que cerceara os direitos políticos e a liberdade de imprensa, comemorava três aninhos (13 de dezembro de 1968). Filhos do Brasil ou morriam misteriosamente nos subterrâneos do regime ou foram ou eram "convidados" a se retirar do país. Vapor Barato era uma espécie de recado para os generais e um cartão-postal além-mar. Vale lembrar que os militares tomaram o poder em 1964. O AI-5 foi instituído em 1968. Com a mordaça ainda muito apertada, Vapor Barato é lançado. Eram os anos de chumbo que a família brasileira teria que suportar por toda a década de 70: BRASIL, AME-O OU DEIXE-O. E assim, Vapor Barato se tornou um hino da época que começara a ver seus filhos retornarem para casa, já que onde antes não havia restado outra coisa senão o exílio. Vapor Barato 24 anos depois 24 anos depois essa mesma canção renasce para ilustrar outro período na história do Brasil: o do êxodo de inúmeros jovens ao exterior com o intuito de fugir do arrocho econômico que assolara o país. Em 1995, Walter Salles lança o filme Terra Estrangeira, no qual, com fotografia em preto e branco, passava a limpo os momentos do recente e colorido governo Collor. Em 1989, Fernando Collor de Melo tornara-se o primeiro presidente eleito por voto direto desde a ditadura militar. O Brasil, mergulhado numa inflação sem tamanho, elegia um quase desconhecido envolto numa aura de salvador. A sua falsa fama de caçador de marajás encorajou a população brasileira a creditar nele suas esperanças. Na primeira semana do seu mandato, a fim de solucionar os problemas financeiros do país, anuncia uma série de medidas, entre elas o confisco do dinheiro depositado em cadernetas de poupança. Era o começo de um verdadeiro pesadelo. Após o confisco das cadernetas de poupança, os brasileiros recomeçaram a fuga para fora do país, a fim de tentar a sorte. Os versos "e vou tomar aquele velho navio/ Eu não preciso de muito dinheiro/ E não me importa, honey" ganhavam outro contexto. E o destino de sempre: o estrangeiro. No caso do filme, mais especificamente, Portugal. "A língua é minha pátria/ e eu não tenho pátria: tenho mátria/ e quero frátria" (Caetano Veloso, em Língua). Terra Estrangeira não é um simples documentário. Muito menos um filme político, no sentido restrito do termo. Na verdade, trata da experiência humana em busca de um lugar existencial. Seja lá onde for. Vapor Barato surge no filme na voz da personagem Alex (Fernanda Torres), a capela, sem palco. A atriz revelou, inclusive, que a canção entrou no filme pela porta do inesperado. O diretor, ao ouvir Fernanda cantarolar a canção nos intervalos das filmagens, logo a incluiu em cena. Logo depois a canção vira sucesso com o grupo O Rappa. Curioso que o filme retrate o envolvimento dos protagonistas com o tráfico de drogas e Vapor Barato seja o nome de um traficante entre tantos nos morros do Brasil. Embora o envolvimento dos primeiros possa ser entendido como uma questão de sobrevivência. Caetano Veloso faz referência ao traficante na canção Fora da Ordem (Circuladô): Vapor Barato, um mero serviçal do narcotráfico/ Foi encontrado na ruína de uma escola em construção. Em 1995, ano de lançamento de Terra Estrangeira, os recursos já estavam mais estruturados e, de certa forma, melhorava a realidade dos cofres do país. Fernando Henrique Cardoso já era o presidente da República e o Plano Real já se mostrava eficaz ao controlar a inflação. Nesse mesmo ano, Vapor Barato era ganhava a re-interpretação do Rappa. Se, em 1971, Vapor Barato, ao se referir ao terror dos anos anteriores, se tornou um marco entre as canções que iniciavam a trilha sonora em busca da volta dos direitos democráticos, em 1995 terapeutizava os desmandos da era Collor. E revelava a solidão dentro da própria casa, com Gal, e a falência de recursos, a dureza, em Terra Estrangeira, quando ressurgiu como canção-testemunho. Adaptação --> Maria Montes Texto original -> João Acuio